Jonatan
Rafael
Diversão. Entretenimento. Lazer. Ócio.
O tempo livre é, por muitos, um dos
momentos mais esperado da jornada semanal.
A noção de tempo livre foi, por
muito tempo, um sentimento de alienação do trabalho e correspondia, apenas, aos
momentos nos quais o trabalhador mantinha-se afastado do labor. Muito mais que
o afastamento físico, o tempo livre deveria ser o escape mental, a distração ou
como definiu Adorno (2002), de “não lembrar em nada o trabalho”.
Na era digital, o painel é um tanto
diferente. O trabalho passar a se incorporar, voluntaria e amistosamente, o
tempo livre. Chegando pouco a pouco, por meio dos mecanismo tecnológicos, o
trabalho se faz presente como auxiliador no processo de alheamento a ele
próprio.
Ao abrir o Facebook e o Twitter –
através do personal cumputer, tablet ou smartphone em sua casa, o trabalhador encontra vários de seus workmates, discutem o resultado
do futebol, o assassinato na novela e a que das ações da companhia para a qual
trabalham. Tudo isso acontece de maneira muito instantânea, fomentada pela curiosidade
humana. E as redes sociais potencializam esse fenômeno.
De Masi (2000) afirma que o tempo
livre pode também ser chamado de "tempo liberado", porém, essa
afirmação não seria nada mais que o reforço à tradição industrial e dominadora.
Segundo o sociólogo italiano, a rejeição à tecnologia não passa de
"esnobismo e masoquismo”, ou seja, a tecnologia deve estar intrínseca ao
cotidiano do ser humano, principalmente, no que ele nomeou de “ócio criativo”.
As redes sociais trouxeram à tona
algo há muito esquecido: o negócio do
tempo livre (Adorno, 2001). Na
década de 1950, o show business era
vendido ao homem médio para que ele saísse de casa e esquecesse o ambiente de
trabalho e tudo o que se relacionava a ele. Atualmente, o entretenimento - o
alternativo e também o show business –
é vendido, direta e indiretamente, ao consumidor para que ele, em sua casa,
busque falso alheamento.
Claro, esse entretenimento surge por diversas
fontes, algumas anônimas e outras clássicas. Quando falamos em fontes anônimas,
pode-se entender o conceito de "inteligência coletiva” cunhada por Pierre
Lévy (1998), um emaranhado de opiniões que também chamamos de senso comum – embora,
nesse caso, sem a virtualização da comunicação e relacionamentos. Já o show business é a grande mídia que
redireciona seus produtos comunicacionais e culturais para os softwares sociais.
Entre as duas fontes citadas, o que
as diferencia é o discurso. Enquanto a primeira tem traços de seu autor, suas
tintas e cor local, a segunda tem características homogenias, fundamentadas no
padrão médio de receptores. Porém, ambas são culpadas pela desintegração do
tempo livre e sua venda aos meios de comunicação através das redes sociais.
Lévy (1999, p. 10) acredita que
a virtualização constitui
justamente a essência, ou a ponta fina, da mutação em curso. Enquanto tal, a
virtualização não é nem boa, nem má, nem neutra. Ela se apresenta como o
movimento neutro mesmo do “devir outro” – da heterogênese – do humano.
Ao ler esse texto, muitos dos
leitores estão em sua casa, em um final de semana que deveria ser dedicado ao
descanso, mas que tem parte dele dedicado ao estudo. É possível dizer que a
virtualização do tempo livre é a consumação do utilitarismo, tradição
industrial e lucro como propriedade subjetiva (SCHARWZ, 2005).
O que podemos pensar então do que
disse Walter Benjamin (1955) em “A Obra de arte na era de sua reprodutibilidade
técnica” ?
No início do
século XX, a reprodução técnica tinha atingido um nível tal que começara a
tornar objecto seu, não só a totalidade das obras de arte provenientes de
épocas anteriores, e a submeter os seus efeitos às modificações mais profundas,
como também a conquistar o seu próprio lugar entre os procedimentos artísticos.
Se
quando o filósofo alemão publicou esse texto já ocorria um processo muito próximo
à produção em série da obra de arte - muito bem exemplificado pelas serigrafias
de Andy Warhol -, atualmente, não
existem grandes diferenças, ao contrário, as semelhanças são acentuadas pelas
possibilidades de transferência da informação.
Assim,
o tempo livre pode ser preenchido de três formas distintas, porém, complementares:
-
Produção de informação/conteúdo: aqui o usuário produz o conteúdo e o
disponibiliza a outrem, via e-mail, redes sociais, comunicadores instantâneos
ou outros meios.
-
Aquisição de conteúdo: o usuário de internet apenas recebe o conteúdo, não
significa que o compreende ou assimila e, nesse caso, ele é o fim da cadeia de
propagação.
-
Replicador: recebe, na maioria das vezes assimila a informação, e a transfere a
outros.
Contudo,
é impensável que um usuário médio de internet esteja situado em apenas um
desses três estágios. De forma geral, em algum momento, participamos de cada um
deles, sempre estando presente na maioridade do tempo em um dos estágio – que é
com o qual nos identificamos mais. Por exemplo: ao escrever esse texto, me
incluo no primeiro estágio e quando compartilho esse conteúdo por meio das
redes sociais - em especial Facebook e Twitter – me coloco no terceiro ponto.
Portanto,
o tempo livre, na era da virtualização do ser e da razão,–se tornou um conceito
abstrato, compreensível apenas em sua forma teórica, haja vista seu
distanciamento do homem médio que, para manter seu emprego, poder relacionar-se
com qualidade, necessita abdicar do lazer e outras espécies de aproveitamento
para dedicar-se ao aperfeiçoamento contínuo, modalidade explorada em MBAs, teses,
pós-graduações e afins.
Referências
ADORNO, Theodor W.
Tempo livre in Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
BENJAMIN, Walter. A Obra de arte na era de sua
reprodutibilidade técnica. 1955. (Download do texto).
DE MASI, Domenico.
O Ócio criativo. Rio de Janeiro:
Sextante, 2000.
FOUCAULT, Michel. A Ordem do discurso. São Paulo: Loyola,
2010.
LÉVY, Pierre. A Inteligência coletiva. Rio de Janeiro:
Ed. 34, 1998.
LÉVY, Pierre. O Que é virtualização? Rio de Janeiro: Ed.
34, 1999.
SCHARWZ, Roberto. As Ideias fora do lugar in Cultura e política. São Paulo: Paz e
Terra, 2005.
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